Tribunal Supremo, Síndrome de Um Estado Falhado

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Em data a anunciar brevemente, depois de adiado o agendamento para 1 de Março, o presidente da República, general João Lourenço, fará a abertura do ano judicial de forma anacrónica e deitando por terra o sonho de um país melhor.

Quando se apresentou na nova liderança do MPLA, o general Lourenço prometeu, de forma impetuosa, justiça e foi ao combate. Hoje, o seu principal feito é a destruição do ideal de justiça. Até que ponto foi vítima de uma estrutura que não compreendeu ou se entregou conscientemente à derrota, é um tema para futuros historiadores. O facto é que o principal instrumento para o combate à corrupção deixou de existir.

Sabe-se que, como diria o Mestre Tamoda, o poder judicial foi sempre um mero instrumento, sem qualquer protagonismo relevante, do poder político angolano. João Lourenço espalhou a esperança entre os angolanos quando dotou a magistratura judicial de plenos poderes para combater os corruptos poderosos e desnecessários do MPLA, exceptuando os corruptos poderosos e necessários ao seu governo.

Quando o tribunal é quartel

Temos, então, um poder judicial prestes a transformar-se em antro de bruxaria. Não se espantem os angolanos! De momento, circulam vídeos e imagens do Tribunal Supremo transformado em instituição paramilitar. O presidente do Tribunal Supremo, brigadeiro (reformado) Joel Leonardo, confere, no seu gabinete, a patente de major ao seu sobrinho Silvano António Manuel. Passado mais de um mês da sua promoção, o referido major e assistente de Joel Leonardo é detido sob suspeita de extorsão e venda de sentenças de decisões do Tribunal Supremo. O presidente da Câmara do Crime, Geraldes Modesto; o secretário-geral do Tribunal Supremo, Altino Kapalakayela, e o secretário judicial, os lugares-tenentes de Joel, posam para a posteridade com o sobrinho do chefe, após a sessão solene de patenteamento do oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA) ocorrida no Tribunal Supremo. Fontes desta instituição confirmam que o acto decorreu em Dezembro passado.

A 1 de Fevereiro passado, na qualidade de presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), Joel Leonardo exarou o Despacho n.º 06/CSMJ/2023 sobre “condutas pouco dignas” de Silvano António Manuel, “integrante em comissão de serviço na cápsula de segurança desta instituição”. Com efeito, suspendeu-o das suas actividades laborais e proibiu-o de aceder às instalações do CSMJ e do Tribunal Supremo.

Do ponto de vista legal, um renomado jurista angolano afirma que Joel Leonardo “viola completamente o princípio constitucional da separação de poderes, porque o patenteamento de oficiais é um acto administrativo exclusivo das autoridades militares”.

“As FAA estão administrativamente localizadas na função do poder executivo do Estado. Logo, o presidente do Tribunal Supremo viola um acto exclusivo da reserva administrativa das FAA, viola a Constituição e a Lei de Defesa Nacional e das FAA, que estabelece toda a hierarquia militar”, argumenta.

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De acordo com o mesmo jurista, que prefere o anonimato, “para lá do acto jurídico, trata-se de uma absoluta vergonha para o Estado angolano. Nem na Guiné-Bissau, ou nos Estados falhados, esse tipo de abusos e atropelos constitucionais acontecem no poder judicial”, remata.

A perseguição e a aura de bruxaria

Ao usurpar também os poderes das FAA, a chefia do Tribunal Supremo parece viver sob uma aura mágica mais bem descrita por um venerando juiz conselheiro a propósito da reunião plenária de 23 de Fevereiro. Um grupo de juízes, aparentemente movidos por sentimentos de dignidade e respeitabilidade, decidiu apresentar, na referida reunião, uma moção de voto colectivo para a destituição do presidente do Tribunal Supremo, devido à imparável associação de Joel Leonardo a escândalos de corrupção e a conduta moral reprovável. Ao que consta, no dia anterior à reunião, o brigadeiro andou a espalhar pelos colegas os resultados do seu encontro com o presidente João Lourenço, nesse mesmo dia, para acertos da agenda sobre a abertura do ano judicial. Passou, segundo alguns dos ouvintes, a informação segundo a qual tinha apoio político presidencial para continuar em funções e que não havia qualquer investigação sobre as suspeitas de corrupção no Tribunal Supremo. Boa parte dos juízes alegaria indisponibilidade para participar da reunião plenária por razões de saúde.

A invocação do presidente da República é outro exemplo a demonstrar que Joel Leonardo não percebe o conteúdo da sua função. É irrelevante o presidente do Tribunal Supremo ter ou deixar de ter a confiança do presidente da República, e até apostamos que o presidente da República não caiu nesse erro. O presidente do Tribunal Supremo tem de ter a confiança do povo em nome de quem exerce a justiça. Como refere outro jurista, a sua legitimidade, após a nomeação, é uma legitimidade do exercício. Se actua de acordo com a justiça, tem legitimidade, se actua longe do justo, perde legitimidade.

Então, um dos promotores da abortada moção confidenciou a alguns colegas que se sentia incapaz de ser assertivo durante as reuniões plenárias, de manifestar as suas ideias e críticas em relação à crise do Tribunal Supremo e que desconfiava que essa incapacidade resultava da existência, na sala de reuniões, de uma espécie de força mágica a que chama “banhos”, para neutralizar as ideias opositoras e seus proponentes.

Ficámos pasmos. Então os aplicadores da lei, os chamados “sacerdotes” do direito, que por isso usam vestes talares, são afinal crentes da feitiçaria e da bruxaria? Por debaixo das vestes clericais encontram-se forças ocultas que desconhecíamos. Em vez de irem a Portugal aprender direito com os seus pares, os juízes deviam ter ido à Papua-Nova Guiné, onde a feitiçaria é considerada um conceito legal. Ou será que a crença na feitiçaria é apenas uma maneira de esconder o medo que leva à imobilização?

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O caso mais alarmante relacionado com as violações da lei por parte de Joel Leonardo é o facto de nunca ter submetido, desde que ocupa o cargo, há mais de três anos, o orçamento anual do Tribunal Supremo, para aprovação pelo plenário de juízes conselheiros – conforme manda, actualmente, a lei n.º 2/22, de 17 de Março, Lei Orgânica do Tribunal Supremo nos seus artigos 22.º, e) e 32.º.

A violação anual das regras orçamentais é o mesmo crime que levou o brigadeiro Leonardo a condenar o ex-ministro dos Transportes Augusto Tomás. Os juízes conselheiros são incapazes de exercer a exigência legal de aprovarem o orçamento da instituição e muito menos de reclamarem as ilegalidades cometidas pelo titular do cargo.

Quem poderá surpreender-se caso surjam também imagens de “banhos de mixórdias” na referida instituição e caso vejamos o Tribunal Supremo a usurpar competências de bruxos, quimbandas e kambumbús?

Já no dia 23 de Fevereiro, consta que os poucos juízes conselheiros presentes na reunião plenária se limitaram a ouvir o seu chefe. Joel Leonardo aproveitou a ocasião para oferecer explicações aos seus pares relativamente ao facto de “estar a ser perseguido”, dada a torrente de denúncias contra si. Atribui esses malefícios ao arresto de bens de Isabel dos Santos, cujo processo, curiosamente, foi devolvido à PGR por insuficiência de provas e falta de arguidos. Acusaram-se uns e deixaram-se de fora outros, erro recorrente da PGR, demonstrando a incapacidade das actuais estruturas judiciárias para procederem a um adequado combate à corrupção.

O sacrifício de Joel a favor dos filhos

Joel Leonardo invocou o caso de magistrados em países como a Argentina, Colômbia e México, que têm sacrificado até as suas próprias vidas em defesa da justiça, dizendo que se identifica com tais mártires da integridade moral, da probidade e da verdade.

Ninguém deve duvidar do sacrifício de Joel Leonardo, como ilustra o rocambolesco caso dos quatro apartamentos das Torres da Cidadela, em Luanda, que lhe foram entregues pela ministra das Finanças, Vera Daves. Na realidade, trata-se de uma negociata de 54 apartamentos (T4), adquiridos pelo Estado por 54 milhões de dólares, “com vista a acomodação condigna dos juízes dos tribunais superiores e alguns magistrados do Ministério Público, bem como inspectores-gerais adjuntos da Administração do Estado”. Tal negócio será devidamente tratado em próxima investigação.

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Os referidos apartamentos seriam para usufruto, em funções, dos juízes conselheiros Norberto Capeça, Anabela Vidinhas, Teresa Buta e Joaquina do Nascimento.

Conforme investigação em curso do Maka Angola, dois desses apartamentos, no valor de um milhão de dólares cada, foram distribuídos entre dois dos filhos de Joel Leonardo – a juíza de primeira instância Amélia Leonardo e o já famoso Vanur Leonardo. O terceiro apartamento foi entregue à secretária judicial do CSMJ, Érika Octávio Peixoto, também conhecida como amiga íntima de Joel. O secretário-geral do Tribunal Supremo, Altino Kapalakayela, ficou com o quarto apartamento.

Esta questão dos apartamentos foi levantada em encontro entre os conselheiros do Tribunal Supremo e o presidente da República, na qual Joel Leonardo argumentou que os mesmos não eram condignos para alojar os seus colegas, pelo que os tinha distribuído a juízes desembargadores da Relação de Luanda. Mentiu ao presidente sob o olhar silencioso dos outros magistrados, da ministra Vera Daves, do ministro de Estado e chefe da Casa Civil,  Adão de Almeida, e do ex-ministro da Justiça e Direitos Humanos, Francisco Queiroz.

Em resumo, a abertura do ano judicial vem transmitir a ideia da contínua captura do Estado por um poder supostamente judicial a meias com o poder político. O rumo parece perdido, as esperanças derrubadas, o vazio instala-se. O presidente da República parece cada vez mais afastado da confiança dos angolanos, armadilhado pelo seu próprio círculo de poder, sem visão estratégica para o bem do país e do seu povo. Já nem sequer tem autoridade para garantir a respeitabilidade do seu título de comandante-chefe das FAA, como demonstra o facto de permitir que o Tribunal Supremo se transforme em instituição paramilitar.

Há um problema de liderança e autoridade do Estado. Angola está sem liderança, sem autoridade, sem rumo. Até quando?

Makaangola

Source : African Media Agency (AMA)

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